segunda-feira, 22 de março de 2010

O menino que se apaixonou por uma guitarra

Carlos Paredes

Era uma vez um menino, esguio e sonhador, chamado Carlos Paredes, que se apaixonou por uma guitarra de doze cordas. A guitarra era elegante, bela e portuguesíssima, como a língua dos poetas ou canto das águas do rio Mondego, que passava em Coimbra, onde o menino nasceu.


Tal como o seu avô e o seu pai, Carlos Paredes também se apaixonou por uma guitarra, fazendo esta parte da sua família.
O menino também gostava muito de poesia, chegou mesmo a ser poeta, embora usasse a música da guitarra em vez da melodia dos versos.
Um dia o menino foi para Lisboa com a família e encontrou um rio largo e azul pelo qual também se tinha apaixonado, o rio Tejo.



O menino foi crescendo e sempre que se encontrava a sós com a sua guitarra, dizia-lhe: - Hei-de amar-te até ao fim da minha vida. E fez questão de cumprir essa promessa.
Inventou para ela as mais belas melodias. A guitarra passou a ter uma voz própria, uma magia única, porque ele deixava que lhe saíssem do coração os sentimentos e as emoções que ela transmitia ao público.
Quando lhe perguntavam o que havia de original nesse som, ele dizia: Portugal.
O menino, já feito homem, tornou-se ainda mais tímido, distraído e delicado, essa delicadeza tornou-se o timbre da sua relação com os outros, do seu modo de estar na vida, de cabeça ao vento.
Um dia fecharam-no numa cela durante um ano e meio, sem saber que crime tinha cometido. Limitara-se a ter o sonho de ver o seu país em liberdade, com a sua guitarra a celebrar o fim de todos os medos.


Na cela não podia ter a sua guitarra, mas fingia que a tinha nos seus braços e trauteava para ela canções de embalar e lindas danças camponesas.
Quando as portas da cela se abriram de par em par, correu para abraçá-la.
Por vezes a guitarra pedia ao músico para viajar e deixar o triste trabalho de escriturário, mas ele ia-se deixando ficar, de olhos postos nas águas do Tejo e no livre e rebelde voo das gaivotas; um dia uma delas chegou mais perto dele e pediu-lhe para que nunca deixasse de sonhar pois asas não lhe faltavam.


Um dia, decidiu viajar, teve multidões a aplaudi-lo em todo o mundo, festejando Portugal na sua música, mas regressava sempre cada vez mais apaixonado pela sua guitarra, que também deu som a filmes e a peças de teatro.
Até que, um dia, a doença impediu-o de se levantar da cama e de voltar a tocar guitarra.
A guitarra ficou num canto, abandonada e inquieta.
Carlos queria comunicar com ela mas foi-se esvaindo o fio da sua voz e o brilho do olhar de menino, nesse longo calvário de um homem acamado, à espera do adeus final.
E quando a sua guitarra amada, a mesma que foi coroada com cravos numa fresca e límpida manhã de Abril, se apercebeu de que o seu apaixonado de sempre deixara de respirar, chorou baixinho e despediu-se.
Esvoaçando, entre as gaivotas e nuvens, sobre as águas do Tejo, Carlos, o menino que nunca quis deixar de ser menino e que viveu a vida inteira loucamente apaixonado por uma guitarra, cruzou-se com um pardal e perguntou-lhe com a sua delicada timidez:


- Ó amigo, é este o caminho certo para chegar à terra da música eterna, aquela onde não há sofrimento nem tristeza?


O pássaro respondeu-lhe que sim e pôs-se na sua frente, a abrir caminho, feliz por poder ser útil a quem tanta felicidade deu a quem o soube ouvir.


Adeus, Carlos, Carlos Paredes, menino sem idade nem pressa, prícipe da nossa alegria sem nome. A tua música fica aqui à nossa guarda, porque é com ela que ainda um dia havemos de ser felizes. Está prometido e será cumprido como nas histórias de príncipes e de princesas em que uma fada desenrola a escada que leva ao infinito.




Fim

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